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A FAMÍLIA

por Gabriela Almeida

"Ele é acolhido,

amado, ele se sente respeitado"

"Na educação domiciliar, nós temos o ambiente propício para a socialização de uma criança, de um adolescente"

"Não é só um grupo, um lugar específico, existem vários coleguinhas"

Imagens ilustrativas / Clique e arraste

Imagens ilustrativas / Clique e arraste

Debora Freire

Brigar judicialmente pelo direito de educar os filhos em casa. Essa é a realidade que algumas famílias vêm enfrentando desde 2011, quando um casal do Rio Grande do Sul abriu um processo para ter acesso a exclusividade da educação de sua filha, levando outras famílias a repetirem a ação. Todas as solicitações foram negadas, mas a discussão se arrastou por anos até entrar em pauta no STF que, em setembro deste ano, decidiu que o homeschooling não seria legalizado. Ainda assim, algumas famílias seguem praticando essa forma de ensino. São pais que, desamparados pela lei, persistem nos próprios métodos para educar os filhos, distante da escola e próximos a eles.

 

Débora Freire é dona de casa. Formada em Física, ela hoje se dedica integralmente a educação de seus dois filhos. O mais velho, atualmente com cinco anos, nunca frequentou a escola. O mais novo, com três, parece que irá seguir os passos do irmão. Débora e o marido optaram por ensinar os filhos em casa, com uma rotina de estudos criada de acordo com o que acreditam ser importante para a idade deles.

 

 

 

 

 

Entre os motivos que fizeram o casal escolher essa prática de ensino, estão a preservação da inocência de seus filhos  e dos valores que possuem. Assim como a preocupação com o bullying, prática que a dona de casa alega já ter sofrido na pele.

Equipe: Qual foi a motivação para adotar o homeschooling?

Débora: Houveram duas principais motivações. Quando eu conheci, quando nós conhecemos a educação domiciliar, tem mais ou menos dois anos e meio, três anos atrás. Foi através de um ativista pró-vida, chamado Júlio Severo. E ele comentou sobre esse método de ensino. E eu fui, eu já havia pesquisado alguma coisa sobre alfabetização de crianças em casa, como a gente poderia alfabetizar nossos próprios filhos e tudo. E quando ele falou da educação domiciliar me chamou muita atenção. Então assim, dentro dessa perspectiva. Nós vimos nela uma oportunidade de ter duas necessidades nossas atendidas. A primeira que era a preservação da inocência, da infância das nossas crianças, dos nossos filhos e, assim...

 

"garantir que eles crescessem firmados nos nossos valores e princípios morais, princípios éticos, princípios de vida. Sem que fossem influenciado por uma ideologia diferente, que às vezes é o que a gente vê acontecer nas escolas."

Equipe: Como sua experiência em uma escola tradicional influenciou na sua decisão de tomar o homeschooling com seus filhos?

Débora: Assim, por exemplo, digamos que eu pegue o meu passado, o passado do meu marido, que fomos escolarizados, como acredito que a maioria foi e a gente vê hoje com o que é publicizado aí na mídia. Eu sofri bullying na escola e meu marido levemente, ele diz que não, mas assim de alguma forma ele sentiu de alguma forma ameaçado em algum período escolar dele. E assim, isso é ruim, porém a gente vê que hoje, nos dias de hoje, está cada dia mais sério porque assim, na minha época, eu tinha uma colega de sala que pegava no meu pé porque eu tenho olheira. Então ela me dava apelido e tudo, e eu, como não era boba, eu ia lá puxava o cabelo dela, aquela coisa. Só que hoje, a gente vê que as brincadeiras estão cada dia mais pesadas. Passou um dia desse, acho que um mês atrás, um garotinho de nove anos chegou na escola dizendo que era homossexual e sofreu bullying. Aí o menino cometeu suicídio, assim, algo lamentável, algo muito triste. Então assim, é algo preocupante. Tem a violência, tem a questão de droga, tem outros tipos de violência, a violência sexual.

Débora e o marido não apenas tentam educar os filhos, mas protegê-los. O homeschooling é a forma que encontraram de praticar o instinto que só os pais possuem, o de querer o filho sempre por perto. Acontece que a infância é o período onde se desenvolvem os primeiros contatos, se fazem as primeiras amizades e se aprende a conviver com as diferenças. A escola é a inicialização desse ciclo social, o primeiro ambiente de independência da criança. Crescer distante de uma instituição, em uma rotina caseira, permitiria o desenvolvimento de todas essas habilidades?

 

A dona de casa é enfática. Para ela, o mundo não se resume apenas a escola. O casal não pretende cercear os filhos, trancá-los em casa e distanciá-los das pessoas. O que pretendem mesmo é vigiar aquilo que eles aprendem, sendo responsáveis diretamente pelo conteúdo que absorvem. Débora acredita que a educação familiar é que, na verdade, seria o caminho correto para iniciar a socialização das crianças, pois afirma que a atenção e o carinho que dedica aos filhos faz com que eles se sintam respeitados, o que para ela não aconteceria em uma instituição.

 

Equipe: Em relação ao homeschooling, algumas pessoas que criticam falam sobre a socialização do indivíduo, da perda do contato com outras crianças. Você acha que existe uma forma de compensar isso?

 

Débora: Na educação domiciliar, nós temos o ambiente propício para a socialização de uma criança, de um adolescente, onde ele é acolhido, amado, ele se sente respeitado. Ele consegue ter mais atenção que é humanamente impossível de um adulto se fazer em uma sala de 30 alunos. Para um professor atender as necessidades de aprendizado, se aquele aluno tá sofrendo bullying, saber o que tá acontecendo com ele, se ele está se sentindo por conta da disciplina, caso ele não esteja aprendendo. Então é difícil numa sala de aula ele ter na sala de aula essas necessidades atendidas. Então, no ambiente familiar, é um ambiente seguro, que nós conseguimos como pais selecionar quem vai estar inserido na rotina dele e nós não vemos nenhuma dificuldade deles em socializar. Pelo contrário, a gente passa é vergonha, porque eles falam demais, O mais novo tem três anos e em todo lugar conversa, e as pessoas até perguntam, “ele tem quantos anos?”. O mais velho também, após os quatro anos ficou muito desenvolto. Ele era um pouco tímido. Hoje conversa até com caixa de supermercado na farmácia, não tem nenhuma dificuldade de conversar com pessoas mais velhas, ou crianças, dificuldade nenhuma.

 

Equipe: Existe alguma atividade que vocês fazem visando a socialização dessas crianças?

Débora: Sim, tem sim, tem os nossos amigos, tem nossos vizinhos, a gente visita nossos vizinhos, eles vão nos visitar, tem as crianças da família, tem as crianças da igreja, tem os filhos dos nossos amigos, que a gente visita também. Então assim, não é só um grupo, um lugar específico, existem vários coleguinhas, do próprio grupo educar também, num ambiente onde ele consegue se socializar com outras crianças com várias faixa etárias. E, assim, por enquanto, nós não colocamos eles em nenhum clube esportivo não, porque a gente ache eles ainda muito pequenos, mas no próximo ano, provavelmente a gente vai colocar eles né, ou no karatê ou natação, algo assim, que pode também propiciar a socialização deles.

 

No dia a dia da família, a mãe é quem se porta como educadora. Com uma rotina de estudos criada, ela se empenha diariamente em fazer os filhos aprenderem aquilo que acredita ser propício a idade deles. Débora tem o apoio de livros e brinquedos, mas conta também com exemplos do cotidiano dos pequenos. As cores e as letras vão se manifestando através de jogos, músicas ou do olhar curioso das crianças. A descoberta é diária, assim como o aprendizado delas.

 

Os horários são obedecidos, mas não existe uma obrigação constante. A dona de casa respeita até mesmo o humor dos filhos. Se eles não estiverem dispostos a estudar no momento em que ela propõe, mãe e filhos realizam atividades mais animadas e relaxantes. Débora não aplica o ensino apenas em uma parte do dia. São vinte e quatro horas dedicadas integralmente a momentos de lazer e aprendizado.

 

Equipe: Como é o processo de ensino? Há uma rotina, uma grade curricular?

Debora: Então hoje, na nossa casa, quando dá 9 horas da manhã a gente inicia o processo de ensino mesmo, de alfabetização, de matemática, de ciências e tudo que eles precisam né, dos conceitos matemáticos, de lógica, de raciocínio, tudo isso. Então eles acordam... eu vou falar da nossa rotina. Eles acordam por volta de seis às seis horas, seis e meia da manhã, aí eles tomam café às sete, nós todos né tomamos café. Aí meu marido vai trabalhar e a gente brinca, eles brincam entre si. Aí quando é mais ou menos esse horário, das nove até às nove e quarenta eu fico com o mais velho aí depois eu fico com o mais novo. O mais novo ele só tem três anos então o tempo é bem reduzido, com ele ao longo do dia, com cantiga, com flashcards já é algo mais né... assim, é menos metódico, menos sentado na cadeira e tudo. Aí é assim, aí geralmente depois do almoço.. por volta de meio dia, meio dia e meio eles almoçam, eles brincam mais um pouco... eles brincam, assistem TV um pouquinho... temos o nosso momento também que eu leio com eles, a leitura compartilhada, leio história com eles, hoje a gente tá lendo Robin Hood. E aí eles cochilam e depois acordam, aí dependendo do humor do mais velho, ele estuda um pouquinho ainda. Senão ele vai brincar, a gente vai tomar sorvete, vai pro shopping, vai pro cinema, ou vai visitar algum parente, amigos... é dessa forma.

A dona de casa assistiu, frustrada, ao julgamento do STF. O sentimento de desamparo do estado para ela, continua o mesmo, e a educação domiciliar segue  no limbo. A mãe fala que achou a decisão dos ministros um pouco covarde, mas se agarra ao único ponto positivo que enxergou nisso tudo: o de que a educação domiciliar não foi considerada uma prática inconstitucional. Dessa forma, ela segue exercendo o papel integral de mãe e educadora dos filhos, enquanto espera por mais uma reviravolta judicial.

 

 

 

 

Débora e o marido fazem  parte de um conjunto de pais que defende um outro tipo de educação. Mulheres e homens que lutam para proteger os filhos daquilo que acreditam ser maléfico a eles. Casais que usam o homeschooling como uma espécie de bolha, onde crianças se desenvolvem sob o olhar atento deles, aprendendo e fazendo contato com o mundo de acordo com aquilo que lhe é permitido. Uma bolha que afasta o Estado e entrega a formação de um indivíduo sobre responsabilidade quase unicamente daqueles que o colocaram no mundo.  Uma bolha que é soprada pela Justiça, mas que não estoura. Porque é também formada de amor e, talvez, o amor em excesso seja a própria agulha.

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