A ESCOLA
por Marcos Moreira
Para além do quadro de professores, alunos e funcionários, a escola é formada pela sociedade em geral e pelo Estado. São elementos que em harmonia promovem a educação através de uma convivência em sua plena diversidade, visando a formação de um pensamento crítico e construtivo para o desenvolvimento de todo o corpo social.
Segundo o artigo 205 da Constituição Federal de 1988: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Assim, a escola tem se apresentado ao longo dos anos como o espaço mais efetivo de união entre esses protagonistas (família, Estado e sociedade) visando a formação efetiva do cidadão, sendo universalizada.
Os números do último censo escolar produzido pelo Ministério da Educação com dados de 2017, mostram a expansão das matrículas na educação infantil, passando de 8.279.104 em 2016 para 8.508.731 no ano passado. Os dados também apresentam a expansão do ensino de tempo integral, que agora representa 13,7% das matrículas no ensino básico, contra 9,1% em 2016. E a tendência é que o tempo diário dos alunos na escola também cresça. A reforma do ensino médio, por exemplo, já adota como objetivo que todas as escolas da etapa cheguem ao turno de 7 horas.
Essa expansão traz desafios para a sociedade como um todo e para o Estado, principalmente quando se trata de aliar universalização e qualidade. Problemas são comuns neste cenário, fazendo a escola ter sua viabilidade questionada por parte da sociedade.
Ao mesmo tempo em que acontece uma globalização do ambiente escolar, cresce o número de famílias que optam por educar seus filhos fora da escola. Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), a procura por essa modalidade aumentou 916% entre 2011 e 2016, apontando que cerca de quinze mil crianças são educadas exclusivamente em casa no Brasil. Entre as principais causas apontadas por essas famílias se encontram a descrença no sistema educacional público e privado e o receio de um convívio nocivo nas escolas.
Mas sair do ambiente escolar é o melhor caminho para uma educação de qualidade? A escola ainda é um espaço primordial para a socialização? Como fazer uma escola universal e de qualidade? A escola ainda é o local mais viável para a formação intelectual e humana de um indivíduo?
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"Tudo na área de aprendizagem é um processo"
Diretora Cleonice Brito
Escola de Tempo Integral José Júlio da Ponte
Bela Vista - Fortaleza/CE
"É de fundamental importância quando a gente está de mãos dadas com a família formando cidadãos."
Cleonice Brito, diretora da Escola de Tempo Integral José Júlio da Ponte, defende a escola como um meio fundamental para a formação de indivíduos, destacando o papel da instituição no objetivo de se alcançar uma educação plural através do convívio e acompanhamento. Para ela, a escola em união com o núcleo familiar ainda se apresenta como o meio mais viável de ensino.
Além disso, a educadora acredita na escola como o espaço onde as pessoas podem entrar em contato com a diferença, exercitando e levando o respeito para além dos muros do ambiente de ensino. “A criança ela precisa estar preparada para conviver com todas as ideologias. Não é segregando a criança e expondo apenas a um tipo de ideia que ela vai aprender a conviver, ela precisa conhecer de tudo”, defende a diretora.
À frente de uma instituição localizada em um dos bairros com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Fortaleza (0,38), Cleonice Brito também explica que a escola, mesmo com limitações, sempre está em processo de busca por melhorias, procurando atender os anseios da sociedade. “A escola vem se capacitando, porém a gente não consegue atender toda a demanda em um único ano, é um processo. Tudo na área de aprendizagem é um processo. Todas as escolas vêm se capacitando no sentido de atender essa expectativa”, destaca.
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Debora Freire
Mãe de dois meninos (3 e 5 anos)
Pratica o homeschooling
"Por que a escola? O ambiente de socialização dela não pode ser o mundo inteiro?"
Débora Freire, dona de casa, é formada em Física e adotou o homeschooling como forma de educar seus filhos por acreditar que a escola não é o espaço ideal para atender suas necessidades. Para ela a educação domiciliar é a maneira mais viável para a preservação da inocência, além de poder firmar as crianças em seus valores e crenças, sem ser influenciado por uma ideologia diferente.
Motivada também pelo seu tempo de escola, Débora comenta que ela e seu marido chegaram a sofrer bullying no período e acabam temendo que seus filhos possam passar por algum constrangimento do tipo. “No ambiente familiar, é um ambiente seguro, que nós conseguimos como pais selecionar quem vai estar inserido na rotina deles”, destaca a dona de casa.
Além disso, Débora não acredita que os filhos estejam sendo prejudicados em relação a socialização, entendendo que a escola é um ambiente limitado nesse aspecto. “É uma socialização muito que não condiz com a realidade. Porque se nós preparamos os nossos filhos pro mundo, o mundo é plural. Tem pessoas de todos os jeitos, de todos os modos de viver, de pensar. Então assim, ela só vai viver isso depois que ela sair da escola? Por que a escola? O ambiente de socialização dela não pode ser o mundo inteiro?”, explica Débora.
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"Na escola, há uma
socialização, porém muito restritiva"
Danyele Nyllin
Socióloga e professora
Contra o homeschooling
"Por trás da ideia do homeschooling há uma ideia muito perversa que é de você cada vez mais deslegitimar o papel da escola e o papel do professor"
Danyele Nyllin, socióloga e professora da Universidade Federal do Ceará, defende que a escola é um espaço primordial para o fenômeno da educação em todas as sociedades e que isso não diminui o trabalho das famílias. Para ela, a escola se apresenta como um espaço de exercício da coletividade, sendo a educação um dever de todos.
A socióloga acredita também que a escola cumpre um papel importante na socialização dos indivíduos, fazendo com que os alunos aprendam para além de conteúdos do currículo escolar. “Se hoje nós conseguimos ver toda essa complexidade do mundo e conseguimos atuar sobre algumas delas, é porque de alguma forma a escola cumpre esse papel de mostrar que há um espaço necessário para a diferença se manifestar”, ressalta Danyelle.
Dessa forma, a professora da UFC considera um risco que cidadãos sejam formados exclusivamente em casa, sendo contra à educação domiciliar pela questão da sociabilidade e por deslegitimar o papel do professor, destacando que a educação permite entender que “o mundo é muito mais do que a sua casa”. “A família é um núcleo, de certa forma, que acaba sendo fechado em si mesmo, nos seus valores, na sua ética, na sua história. A sociedade é muito mais do que a nossa família. E que bom que é”, afirma.
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"A escola cumpre esse papel de mostrar que há um espaço necessário para a diferença se manifestar"
Debora Leite
Pedagoga
Favorável ao homeschooling
"Nenhuma criança que está na educação domiciliar está privada do convívio"
Débora Leite, pedagoga e professora da Universidade Federal do Ceará, destaca que quando conheceu o homeschooling se mostrou contra a prática, mas depois de pesquisas passou a entender o lado de quem adota a forma de ensino, defendendo que aceitar a educação domiciliar é uma forma de compreender a diversidade do mundo. “Se eu quero uma sociedade mais plural, se eu quero uma sociedade mais tolerante, mais diversificada, porque não dar o direito a essas pessoas que querem fazer esse tipo de educação de fazer?”, defende a pedagoga.
A professora também acredita que existem outros espaços para além da escola, onde a criança pode desenvolver seu aspecto social, podendo trabalhar isso mesmo fora do ambiente escolar. “Nenhuma criança que está na educação domiciliar está privada do convívio, esta criança ela pratica esporte, faz curso de línguas, ela convive com os vizinhos, com os primos, ela convive com outros grupos sociais”, afirma.
Como defesa desse ponto de vista, Débora relembra o tempo em que as escolas de educação infantil não existiam, sendo as mães responsáveis pela alfabetização de seus filhos ou pela contratação de professores leigos para ensiná-los em casa, sem comprometer a vida social do indivíduo. Assim, a educadora defende a regulamentação da prática, tendo o cuidado de que a liberdade e os direitos do indivíduo sejam sempre respeitados.
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"A escola ela é um espaço primordial de socialização, mas ela não é o único"
Josete Sales
Pedagoga na Universidade Estadual do Ceará
É contra o homeschooling
"A escola que nós temos é a escola real, não é a ideal, mas não é fugindo da escola que a gente vai construir essa escola ideal"
Josete Sales, pedagoga e professora da Universidade Estadual do Ceará, por sua experiência também na educação básica conhece as limitações que a ESCOLA apresenta. Mesmo assim acredita que a maneira mais viável para se conseguir uma instituição universal e de qualidade seja com os protagonistas (Estado, família e sociedade) atuando juntos para se ter uma educação ideal.
A pedagoga acredita que essas dificuldades do ambiente escolar também ajudam no desenvolvimento do cidadão, citando os casos de bullying como exemplos complicados, mas passíveis de uma reflexão. “Não é o bullying a razão de você sair da escola, de você negar a escola, mas de você enfrentar, de você fortalecer a vítima e de educar quem violenta”, afirma.
A questão da socialização também preocupa a professora, destacando que as famílias que adotam o homeschooling acabam criando seus filhos dentro de uma bolha que não existe, em nome de uma proteção que pode tornar as crianças mais frágeis e mais intolerantes. “A educação domiciliar pra mim é uma fuga, uma recusa a investir naquele projeto ideal que a gente tem de escola, de sociedade, de ser humano. Então ficar, lutar, construir junto, eu ainda acho a melhor alternativa”, destaca Josete Sales
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